terça-feira, 24 de agosto de 2010

60 anos de indolência

Acendeu o cigarro e tragou. Tragou profundamente, como se fosse a última coisa que faria na Terra.
- Sabe...
Começou sua fala em tom cansado.
Nem mais os fantasmas de seu passado a reconheceriam. Outrora discursava avidamente para multidões sobre o universo, política e problemas sociais. Hoje, não passava de uma figurinha velha, possivelmente repetida, daquelas que ou vão para a recliclagem, ou ficam lá, esquecidas no fundo de alguma prateleira da banca de jornal.

- Não, é claro que você não sabe.
Sorriu com escárnio, observando rolar entre seus dedos a mesma débil chama que, pouco a pouco, aquecia-lhe a cova.
Era um jornalista meia-boca, aquele. Um jovem pedaço de nada, tão útil o quanto um patinho de borracha. Provavelmente fora mandado pela secção dos obituários para averiguar a (falsa) notícia de sua trágica morte por narcóticos - jornais locais adoram notícias de ex-celebridades mortas.
- Tentarei ser clara, senhor...?
- Sousa. Túlio Sousa.
- Hum.
Balbuciou, entortando os lábios rubros para uma nova tragada.
Quando recebera o telefonema para agendar a entrevista, perguntou do que se tratava. A secretária de voz irritante respondeu de forma vaga; "assuntos da atualidade". Certamente tinham espaço em branco para o jornal de segunda... Foi gentil e marcou o tal horário.
O homenzinho se intimidara pelo silêncio que inundou a sala. A mulher, pelo contrário: se via mergulhada na mudez, afogando-se em deleite.
- Você ia dizendo?
- Não me lembro.
- Ah...
Outro longo momento de quietude.
- Acho que íamos falar sobre a atualidade. Viu o caso do...?
- Você "acha"?
Interrompeu-o.
Bom era o tempo em que os jornalistas sabiam quais perguntas fazer.
Fez um gesto negativo com a mão livre.
- Deixa pra lá.
Fitou-o por cima dos óculos de grau.
- Nessa vida infame, aprendi quais são as três maiores tolices do mundo: massas, fanatismos e religiões.
Ele anotou. Ela obsevou. Ele parou; ouviu atento.
- Sim...?
- Mais nada. Pode ir embora.
- O quê?!
- Feche a porta quando sair.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Infelicidade é uma questão de prefixo.
Guimarães Rosa

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Pedaço de "Faz de Conta"

Faz de conta que aquele dia não acabou
Que o sol não se pôs, que a Lua não veio
Faz de conta que ainda estamos juntos
Aos sorrisos, carícias e uns poucos olhares
Distantes de qualquer arrependimento
Faz de conta que ainda te guardo no peito
E que na recíproca se faz verdade
Quando você fecha os olhos e pensa em mim
Faz de conta que tudo vai acontecer de novo
Do mesmo jeito que foi ontem
E que vou poder dormir tranquila
Sabendo que amanhã vai ser assim também.

A verdade dos momentos é tão passageira que às vezes nos questionamos se foi mesmo verdade.