Ela acorda, religiosamente, às 7:00. Certa vez a bateria do
celular acabou durante a noite e, mesmo sem o alarme do despertador, ela acordou
às 7:00. Em ponto. Creio que não pelo hábito, mas sim por uma compulsão pela
rotina estabelecida há treze anos e meio atrás, às margens dos seus vinte e
tantos anos de idade. Ela entra no banheiro e deixa a porta entreaberta. Liga o
chuveiro e espera a água esquentar: ela sabe que a observo. Se veste e toma o
café preto, forte, sem açucar. Então sai para o trabalho e, às 12:30, recebo
notícias suas. Me manda uma mensagem perguntando qualquer coisa: que horas
chego em casa? Se faço a janta ou se ela deve fazer? Respondo de prontidão e
logo retomamos os afazeres. Chego em casa por volta das 18:00. Não é anormal
que ela chegue depois de mim: ela passa por avenidas onde o tráfego é denso, ao
passo que eu trabalho num bairro próximo. Ela chega, jantamos e nos arrumamos
para deitar. Vez ou outra transamos.
O que os vizinhos, os amigos, os familiares não sabem é que
nas segundas e quartas, depois do trabalho, ela vai à yoga. Ela diz que vai à
yoga. Mas EU sei que ela não vai à yoga. No próximo mês completam dois anos que
ela começou a frequentar as aulas de yoga e meditação. Dois anos que ela o
encaixou em sua rotina. Eu não o conheço. Ele trabalha com ela. Também é
casado. Ele tem uma filha. 3 anos. Já o vi, à distância. Bem apessoado. Por
raro descuido dela, conheço seu cheiro.
Diferente dela, eu
não tenho rotina definida. Não acordo às 7:00 em ponto, não bebo café sem
açucar, não vou à yoga. Às quintas, depois do expediente, eu vou ao bar com os
colegas de trabalho. Nem sempre vou ao bar com os colegas. No entanto, é o que
digo a ela. Uma vez por mês eu vou ao bar sozinho. E saio acompanhado. Eu
sempre volto pra ela. Ela não cheira meu paletó. Ela também não me cheira às
quintas de noite. Diz que é em razão do
cheiro de bebida. Mas eu sei que não é. Ela também sabe.
Anos atrás, quando ela não frequentava a yoga às segundas e
quartas e eu o bar às quintas, ela não deixava a porta do banheiro entreaberta.
Ela não mandava a mensagem às 12:30. Nós nunca transávamos. Eu não lembrava
qual era o cheiro dela.