terça-feira, 21 de junho de 2016
JALAPEÑOS
Sentada no ônibus, no lugar da janela. Olho a rua, olho os carros, os pedestres: não sinto. Não sinto cheiros, não sinto gostos, não ouço os ruídos da rua, do ônibus ou das pessoas. Não sinto meu nariz, não sinto minha boca, não consigo mexer minhas mãos e meus pés. Me acomete uma dormência: nenhum dos meus sentidos parece funcionar. Sinto meu corpo, meu cérebro formigar. No peito carrego um buraco do tamanho do mundo, não consigo enxergar o fim. Tudo é escuro e vazio. Minhas entranhas se contorcem. Um desconforto descabido. O ar é pesado, a luz é mais clara que o normal e incomoda meus olhos. Tenho vontade de chorar: chorar já não consigo. Quero gritar "SOCORRO!": já não tenho voz. Quero levantar do ônibus e fugir: minhas pernas já não são mais minhas. Tudo o que é exterior a mim continua o mesmo: eu já não pertenço mais. Meus pensamentos começam a borbulhar, desconexos. Penso nos afetos: são rasos. Sequer os mereço. Penso nas minhas conquistas: inexistentes. Penso no futuro: já não tenho fantasia ou expectativa. Penso no meu reflexo no espelho: odeio o que vejo. Penso nas cartelas de remédio dentro da minha gaveta. Penso no desfecho. Estorvo. O ônibus pára. É meu ponto. Desço e finjo que nada aconteceu.
segunda-feira, 20 de junho de 2016
A CONCEPÇÃO DO TEMPO
E assim,
nasceu.
Não se sabe
quando,
mas foi
descrito e definido
por algum “homem”
- como
todas as outras coisas da natureza,
que sempre
estiveram por aí,
sem gana ou
pretensão,
e acabaram virando
tema de dissertação.
Tempo pode
ser bonito
o tempo das
fotografias,
da rosa
murcha,
do
pôr-do-sol.
Tempo pode
ser aterrorizante!
tempo do futuro,
do sol
nascente,
da lua
nova.
Tempo pode
ser ingrato...
e quanta
gente luta contra o tempo
sem saber
que o tempo não entra em guerra de malfadado.
Tempo é
algo curioso
pois veja:
se o ano tem 365 dias
e o dia 24
horas
e a hora 60
minutos
e o minuto
60 segundos
e isso é
imutável,
que tempo é
esse que passa pra você e não passa pra mim?
segunda-feira, 6 de junho de 2016
DESALENTO
Os melhores
anos da minha vida
Eu já não
me lembro mais
Minhas
saudades são antigas
Meus laços,
desfeitos
Apodreço
Como uma
maçã
De dentro
para fora
quinta-feira, 2 de junho de 2016
EPOPEIA
Decifra-me
ou devoro-te!
- disse a
Esfinge.
Corpo
majestoso de leão
Asas
inquietas
Olhos
famulentos.
Não tenho o
corpo de um leão.
Menino! Hoje
tu és meu cardápio inteiro
No café, os
teus cabelos
O almoço,
tua língua
Não janto!
Petisco avidamente a noite toda.
No entanto,
é preciso cautela:
Tu és meio Medusa.
Um inocente
relance, de súbito,
Transforma-me
em pedra
- Bem sabes
Parte de
mim já é rocha.
Menino! Tem
pena de mim.
Romance inusitado
Entre Medusa e Esfinge:
Sejamos nós dois as nossas adversidades.
Matas Édipo
antes que mate meu orgulho
Decapito
Perseu antes que, sequer, cogite derrotar o titã.
Secretamente,
Devoro-te antes que me decifre.
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